segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O(s) Utensílio(s) da Escrita

Parece-me que foi num inverno. Ali, nos contrafortes da serra do Montejunto. Um furo e um pneu que se muda, um corpo que se verga em direcção ao negro alcatrão. Seguramente que a caneta caiu ali – e ali ficou.
Já se passaram muitos anos sobre a perda da minha caneta Pelikan de cor verde. E foi, sem dúvida, a maior perda material [e afectiva] que tive ao longo desta minha vida de viagens e acidentes de percurso
Com ela cheguei aos bancos da escola. Com ela escrevi as primeiras cartas de namorados, alinhavei os contornos de textos de revolta – e fiz-me publicista da crítica social em jornais inconformistas.
Sinto, com uma imensa saudade, a falta que me faz a companhia desse pequeno utensílio que, não raras vezes, escrevendo coisas apressadas [e talvez sectárias], sempre o fez com honestidade e entregue às utopias possíveis.
Depois dessa perda, considero que comecei a escrever pior, que as palavras se arrastam no branco do papel – e que a energia transbordante da escrita se transformou numa coisa penosa.
Mas continuo! Com mais dificuldade, é certo, mas animado de uma alegria, de uma vontade maior em fazer da escrita particularidade de um combate mais vasto. Pela dignificação Humana e pela sua elevação, destruindo o animal que há em nós.
Restou-me sempre uma última esperança, que a caneta tenha sido achada por alguém que a estime e saiba fazer da escrita uma coisa séria e limpa!


António Manuel Pinho

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