ARLETTE MARQUES, nome maior da pintura angolana, honra o NO CARVÃO com a sua presença no espaço deste Restaurante-Arte.
De 26 de Dezembro de 2008 a 24 de Janeiro de 2009 poderemos ver GESTOS - um hino à sensibilidade e à fraternidade.
"A Pintura de Arlette Marques"
Filipe Zau (*)
Segundo o filósofo ghanês, Kwame Anthony Appiah, na sua obra “Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura”, o escritor nigeriano Chinua Achebe teria afirmado que “(…) a identidade africana ainda está em processo de formação. Não há uma identidade final que seja africana. Mas, ao mesmo tempo, existe uma identidade nascente (…).”
Hoje, em Angola, o conceito de angolanidade encontra-se ainda em construção e é entendido como sendo “o somatório cultural de todos os grupos sociais, conhecidos ou não, que alguma vez tenham afluído ao solo pátrio.” Contudo, sendo cada um de nós um bio-psico-social inserido num contexto cultural específico, de acordo com o sociólogo argelino Amin Mallouf,
“(…) a identidade de cada pessoa é constituída por uma multicidade de elementos, que não se limitam evidentemente aos que figuram nos registos oficiais. Existe claro, para a maior parte das pessoas, a pertença a uma tradição religiosa, a uma nacionalidade, por vezes duas; a um grupo étnico ou linguístico; a uma família mais ou menos alargada; a uma profissão; a uma instituição; a um determinado meio social… Mas a lista é mais extensa, virtualmente ilimitada; pode sentir-se uma pertença mais ou menos forte a uma província, a uma aldeia, a um bairro, a um clã, a uma equipa desportiva ou profissional, a um grupo de amigos, a uma empresa, a um partido, a uma associação, a uma comunidade de pessoas que partilham as mesmas paixões, as mesmas preferências sexuais, as mesmas diminuições físicas, ou que se acham confrontadas com os mesmos problemas. Estas pertenças não têm evidentemente, a mesma importância, pelo menos, não ao mesmo tempo. Mas nenhuma delas é totalmente desprovida de importância. Elas são os elementos constitutivos da personalidade, poder-se-ia quase dizer ‘os gens da alma’, na condição de precisarmos que, na sua maior parte, não são inatos.”
No fundo, num mesmo ser humano podem co-existir vários sentidos de pertença ou identidades que, no seu conjunto, representam mais valias, que compõem a sua própria personalidade. Arlette Marques é a expressão clara de uma mestiçagem cultural, caracterizada pela “presença simultânea de elementos culturais africanos e europeus (…)”, que lhe permitem “actuar nesses dois mundos e realizar uma interligação entre eles.” Uma realidade histórica e social já observada no início do século XVIII, aquando da emergência de uma classe média africana na cidade de Luanda. A sensibilidade artística de Arlette Marques bebe, sobretudo, desta síntese cultural. A representação figurativa, a imaginação, o movimento e a sensualidade de mulheres e de divindades do mar… são os pontos cruciais do seu trabalho. O traçado anatómico tem influência europeia, mas as cores que emprega, são as de África: os amarelos cor de papaia; os ocres de várias tonalidades; os vermelhos-púrpura do pôr-do-sol; os verdes, que sangram seiva… A leitura é intuitiva e, por vezes, etnográfica, como foram as obras do inesquecível Neves e Sousa, pintor e poeta “africano” nascido em Matosinhos, que adoptou Angola como sua pátria e acabou por falecer em S. Salvador da Bahia.
Arlette Marques nasceu em Luanda e investiu no quotidiano sócio-cultural das cidades com presença africana desde o início do tráfico negreiro, tais como Lisboa e S. Salvador da Bahia. O seu mundo (de vários pequenos mundos) é impossível de ser visto apenas com os olhos em Angola já que, o seu trabalho reflecte a angústia de uma incessante procura de si própria nas afinidades histórico-culturais existentes no eixo Lisboa/Luanda/Salvador. Daí que a sua pintura transporte o teor de uma síntese cultural de matriz urbana, profundamente miscigenada, mas com uma tónica que também concorre para a harmonização e para a construção de uma angolanidade, que se faz hoje necessária. É no contexto dinâmico, inserido numa lógica de complementaridade (e não de exclusão) que, a pintura de Arlette Marques, deve ser vista, interpretada e apreciada.
Segundo o filósofo ghanês, Kwame Anthony Appiah, na sua obra “Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura”, o escritor nigeriano Chinua Achebe teria afirmado que “(…) a identidade africana ainda está em processo de formação. Não há uma identidade final que seja africana. Mas, ao mesmo tempo, existe uma identidade nascente (…).”
Hoje, em Angola, o conceito de angolanidade encontra-se ainda em construção e é entendido como sendo “o somatório cultural de todos os grupos sociais, conhecidos ou não, que alguma vez tenham afluído ao solo pátrio.” Contudo, sendo cada um de nós um bio-psico-social inserido num contexto cultural específico, de acordo com o sociólogo argelino Amin Mallouf,
“(…) a identidade de cada pessoa é constituída por uma multicidade de elementos, que não se limitam evidentemente aos que figuram nos registos oficiais. Existe claro, para a maior parte das pessoas, a pertença a uma tradição religiosa, a uma nacionalidade, por vezes duas; a um grupo étnico ou linguístico; a uma família mais ou menos alargada; a uma profissão; a uma instituição; a um determinado meio social… Mas a lista é mais extensa, virtualmente ilimitada; pode sentir-se uma pertença mais ou menos forte a uma província, a uma aldeia, a um bairro, a um clã, a uma equipa desportiva ou profissional, a um grupo de amigos, a uma empresa, a um partido, a uma associação, a uma comunidade de pessoas que partilham as mesmas paixões, as mesmas preferências sexuais, as mesmas diminuições físicas, ou que se acham confrontadas com os mesmos problemas. Estas pertenças não têm evidentemente, a mesma importância, pelo menos, não ao mesmo tempo. Mas nenhuma delas é totalmente desprovida de importância. Elas são os elementos constitutivos da personalidade, poder-se-ia quase dizer ‘os gens da alma’, na condição de precisarmos que, na sua maior parte, não são inatos.”
No fundo, num mesmo ser humano podem co-existir vários sentidos de pertença ou identidades que, no seu conjunto, representam mais valias, que compõem a sua própria personalidade. Arlette Marques é a expressão clara de uma mestiçagem cultural, caracterizada pela “presença simultânea de elementos culturais africanos e europeus (…)”, que lhe permitem “actuar nesses dois mundos e realizar uma interligação entre eles.” Uma realidade histórica e social já observada no início do século XVIII, aquando da emergência de uma classe média africana na cidade de Luanda. A sensibilidade artística de Arlette Marques bebe, sobretudo, desta síntese cultural. A representação figurativa, a imaginação, o movimento e a sensualidade de mulheres e de divindades do mar… são os pontos cruciais do seu trabalho. O traçado anatómico tem influência europeia, mas as cores que emprega, são as de África: os amarelos cor de papaia; os ocres de várias tonalidades; os vermelhos-púrpura do pôr-do-sol; os verdes, que sangram seiva… A leitura é intuitiva e, por vezes, etnográfica, como foram as obras do inesquecível Neves e Sousa, pintor e poeta “africano” nascido em Matosinhos, que adoptou Angola como sua pátria e acabou por falecer em S. Salvador da Bahia.
Arlette Marques nasceu em Luanda e investiu no quotidiano sócio-cultural das cidades com presença africana desde o início do tráfico negreiro, tais como Lisboa e S. Salvador da Bahia. O seu mundo (de vários pequenos mundos) é impossível de ser visto apenas com os olhos em Angola já que, o seu trabalho reflecte a angústia de uma incessante procura de si própria nas afinidades histórico-culturais existentes no eixo Lisboa/Luanda/Salvador. Daí que a sua pintura transporte o teor de uma síntese cultural de matriz urbana, profundamente miscigenada, mas com uma tónica que também concorre para a harmonização e para a construção de uma angolanidade, que se faz hoje necessária. É no contexto dinâmico, inserido numa lógica de complementaridade (e não de exclusão) que, a pintura de Arlette Marques, deve ser vista, interpretada e apreciada.
(*) Músico, escritor, investigador e doutorando em Ciências de Educação, especialidade de multiculturalismo e interculturalidade.
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